Obrigada ás duas, eu dei de tudo para ficar diferente do normal, espero que gostem.
O primeiro capítulo!!
Um -Nem sabes o que aconteceu, Greeny!
Geneva, ou Gen, como eu lhe costumo chamar, agarra as minhas mãos com força, sinto o frio das mãos dela nas minhas. E pensar que eu fiz de tudo para as aquecer mal sai de casa. Ela usa umas calças de ganga, de um tom claro, usa as botas de pêlo que lhe ofereci no Natal passado, o que ela chama de pantufas, veste um sobretudo preto que esconde a camisola que trás por baixo, aquecendo-se com um cachecol castanho que pelo ver parece ser muito quente. Traz o cabelo preso, um pouco embarassado.
É impressionante como num dia de frio como este ela consegue estar muito animada. Na verdade ela está sempre animada.
-Claro que não sei, não sou vidente. -digo começando a andar para dentro do recinto escolar. Coisa que odeio porque há sempre alguém que se ri de mim. Eu tento pensar que é por algo em mim estar mal, como o meu cabelo, ou a camisola ao contrário, eu rezo para que seja isso, coisa que a maioria das raparigas tenta evitar, mas no meu caso eles riem-se de outra coisa. Ouço comentários como: “Coitada, está sozinha no mundo!” ou “Aposto que a culpa foi dela.” ou ainda “Que anormal! Como é que ela consegue aparecer em público depois de ter matado a família toda?!”. A verdade é que me sinto culpada, talvez por ter sobrevido e eles não. Por vezes pergunto-me se a Geneva se sente igual. Ela sobreviveu também. Íamos todos no mesmo carro de férias de Verão há dois anos atrás, e eu arrependo-me de a ter convidado. -E não me chames Greeny, por favor!
-Claro que não és vidente, -acelera o passo para me tentar acompanhar. -isso era estranho. -solta uma gargalhada que eu nunca me canso de ouvir. -Os teus olhos são verdes e lindos.
Sim, os meus olhos são verdes, mas o facto de serem verdes não significa que ela tenha que me chamar Greeny, ainda por cima é um nome horrível. Tenho o cabelo castanho escuro, quase preto, meço 1,67 e sou magra. Dizem que sou muito parecida com a minha mãe, mas é mentira, ela é muito mais bonita que eu. Não gosto de mim.
-Conta lá o que aconteceu. -digo chegando ao cacifo que nós dividimos. Está cheio de fotografias de actores famosos e cantores. Não são meus, neste cacifo as únicas coisas que tem minhas são os livros e uma fotografia minha e dela.
-Então é assim, tu sabes que eu gosto muito de cantar. -fecho o cacifo e aceno com a cabeça ficando a olhar para ela. Os olhos dela são castanhos, da cor de uma avelã, e neste momento estão a brilhar como nunca. -A minha mãe decidiu inscrever-me numa audição para um concurso de canto! -diz isto com um sorriso de orelha a orelha.
Ela canta desde sempre, e canta lindamente. Eu quero saltar de alegria como ela, sorrir como ela. Mas o meu corpo não me permite isso agora. Talvez porque eu estou a pensar que ela agora pode-me abandonar. Quero dizer, é o sonho dela, mas e eu? Tenho a certeza que se ela for a esta audição vai conseguir passar. E se ela se esquece de mim? Não a vou proibir, nem lhe vou falar de nada.
-Que bom, macaca! -dou-lhe um abraço esperando que ela não repare que não fiquei tão contente como ela. Eu devia, e sinto-me mal por não o fazer.
-Mas tu vens comigo! -diz sem me largar do abraço. -Quero que estejas lá para me apoiar.
-Sim, eu vou. -digo esperando que ela me largue. A campainha está quase a tocar.
-Preciso de ti lá. -aperta-me com mais força. Fico surpresa, quero chorar, mas não o posso fazer, não há frente dela.
Solto-me dela, não é que o queira fazer, mas faço-o. Tenho que fazer. Quero correr para poder chorar sozinha.
-Tenho que ir à casa-de-banho. Vou já para a aula.
Ela acena com a cabeça e dirige-se para a sala. Enquanto eu me dirijo à casa-de-banho a campainha toca. Não está ninguém. Entro num compartimento, fecho a sanita e sento-me. A minha respiração está ofegante.
O silêncio. É isso que estou a ouvir agora, e quando ouço o silêncio, aquilo que eu mais quero esquecer é aquilo que eu mais me lembro. O grito da minha mãe, o choro da minha irmã mais nova, o meu pai a tentar controlar o carro, a Geneva a agarrar-me o braço com força. Pareço sentir essa força agora e caio para o chão, encostando-me à porta. Não seguro as lágrimas. Caem uma a uma, com vontade própria, sem fazer algum esforço. Levo a mão à bolsa pequena da mochila e tiro uma fotografia. Nela estou eu, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã e a Geneva. Por trás tem a data e o local: “07/07/2008 California”. Passaram-se quase dois anos e o sofrimento é cada vez maior. Talvez por eu não ter sentido nada durante todo este tempo.
E agora ela vai embora. Aquela pessoa que significa o mundo para mim vai-me abandonar. Não posso acreditar, não quero acreditar. É mentira. Eu estou a ser mesquinha, ciumenta. Eu sou desprezível. Como é que eu não posso ficar contente por ela? Devo ser uma péssima amiga. Mas eu não quero que ela me deixe.
Encosto a cabeça à porta. A minha vida é um desastre. Eu sou um desastre. Eu quero a minha família de volta, por favor. E desfaço-me em lágrimas, num choro que não tem como parar, que não quer parar.
A campainha toca, dou por mim encostada à porta da casa-de-banho. Devo ter adormecido. Adormecido numa casa-de-banho, que classe. Levanto-me, abro a porta do compartimento e vou até ao lavatório. Abro a água e molho a cara, olhando-me ao espelho de seguida. Estou uma lástima. O que vale é que não uso maquilhagem, se usasse ia ter um trabalhão daqueles.
Suspiro e volto-me. Eu vou sair daqui igual a como entrei. Com a mesma cara, com o mesmo sorriso. Não importa se faltei à primeira aula, há sempre a desculpa do: “Adormeci.”. Apesar de ter que dizer outra coisa à Geneva. Dou um salto quando me lembro da Geneva. Saio da casa-de-banho a correr, mesmo quando toca para a segunda aula.
Dou com a Geneva encostada ao nosso cacifo. Olha para ela, tem uma expressão de zangada, mas não só isso, tem um olho pisado e está a sangrar pelo lábio.
Deixo a mochila cair e aproximo-me mais dela.
-O que foi isso? -seguro na mão dela que quer tocar no lábio.
-Foi uma cabra que se estava a armar. -na voz dela há raiva e preocupação ao mesmo tempo. -E tu onde estavas?
-Não interessa, -volto atrás e pego na minha mochila. -quem foi?!
-Foi a Madeline e as ami...
Saio de perto dela e entro na nossa sala. Sim, porque a Madeline é da nossa turma. Ela está no fundo da sala com o seu grupo de amigas às gargalhadas. Nem reparo se o professor já está na sala ou não e aproximo-me dela e empurro-a da cadeira. Os restantes começam com piropos, os rapazes gritam por “luta de gajas” e o professor, que afinal está presente sai da sala a correr. Ela levanta-se do chão, enquanto as amigas se afastam. A Geneva está atrás de mim a gritar para parar. Mas o que sinto tem que ser descarregado em alguém. E nada melhor que nela que passou a vida dela a fazer a minha num inferno.
A Madeline corre para mim, mas eu desvio-me. Agarro os cabelos dela e ela os meus. Ouço toda a gente a gritar, outros a rirem-se. Dou-lhe um empurrão e depois um murro.